12/01/07

DE ABELHAS, ARTE E BELEZA


DE ABELHAS, ARTE E BELEZA
R.Veras

[A música das abelhas]

Recentemente, chamou-me a atenção o amigo Caio Miranda para o artigo "Tori's weird world" sobre o conceito e o processo de criação do "Beekeeper", último álbum da Tori Amos.Assumindo o apicultor do título, Tori indica que o mel de abelha simboliza a sexualidade sagrada, cujo sentido ela tenta resgatar desconstruindo a idéia de pecado original. Incitada por Sophia, controversa face feminina do deus judaico-cristão, sua personagem prova do fruto proibido para tornar-se mais consciente de sua sensualidade (leia-se sinsuality) e suas relações interpessoais. Cada canção, uma nova descoberta, perpassando diferentes arquétipos femininos, como também subtendendo críticas políticas, no sentido mais amplo do termo.

Destaco, entretanto, suas declarações pertinentes ao sentido do arranjamento dado às canções desse álbum, no que ela evoca a imagem das abelhas colhendo o néctar para a feitura do mel:"Melodicamente, eu estava tentando muito criar um efeito que pudesse incorporar o que uma abelha faz quando ela vai ao orgão de uma flor e colhe o nectar, e delicadamente espalha-o ao redor. Ela cria esse trabalho profilático apenas sendo uma abelha."

Abro um parênteses para observar que o "Beekeeper" exala particularmente uma harmonia musical. Não que o mesmo não se dê em trabalhos anteriores da artista, laboriosa em ajuntar canções coesas entre si. A peculiaridade do "Beekeeper", entretanto, é o evitamento do ruído, a costura cuidadosa de "backing vocals", o criativo diálogo entre órgão e piano. Diz-se entre os fãs, o álbum mais "pop" da Tori. Ela explica:

"Eu estava tentanto combater a violência com criatividade. Eu não queria espelhar (a destruição ao nosso redor) com música discordante. Na feitura do mel, tem que existir uma suavidade e uma concordância harmônica entre a natureza e a criatura."

E continua:

"O que eu quis criar com o órgão e o piano, juntando flor e abelha, não foi o conflito, mas a procriação, num tempo em que a procriação pode ser classificada como pecaminosa."

[Por uma arte da beleza]

Lendo essas metaforizações da Tori sobre o "Beekeeper", lembrei-me imediatamente de um artigo relativamente recente do Arnaldo Jabor intitulado "A arte deve ser a exaltação da vida". A despeito de quem o ama ou o odeia, o autor apresenta uma visão sobre os rumos do fazer artístico nos dias de hoje, a de que a arte estaria perdendo sua função "transcendente" para ser uma arte "engajada", o que, no seu entender, desvalorizaria a beleza em favor de uma "busca deliberada da feiúra". Ponto de partida para essa reflexão, o autor descreve suas impressões sobre uma visita à Bienal:

"Os trabalhos repetem os mesmos códigos e repertórios: terra arrasada, materiais brutos e sujos, desarmonia, assimetria, uma busca deliberada da feiúra, uma clara vergonha de ser "arte", vergonha de provocar sentimentos de prazer."

Engajada, a arte colocaria-se como panfletária dos males do mundo, representando sua desarmonia e, por consegüinte, denunciando seus horrores. Entretanto, o autor qualifica negativamente esse movimento, tanto por entendê-lo inútil como "denúncia", já que a própria realidade estaria produzindo eventos mais chocantes que qualquer "panfleto" artístico, vide os noticiários, como por entendê-lo extraviador do sentido maior da arte, a seu ver, a transcêndencia. Uma arte da transcendência seria uma arte libertadora, a qual promoveria "um sentido misterioso mais imperioso para a vida", acessível na beleza, na harmonia, na fruição poética. Cita Stravinsky: "A obra de arte deve ser exaltante". E argumenta que "desistir da beleza é uma confissão de derrota, é legitimar os inimigos".

Pondera o autor:

"Claro também que os artistas contemporâneos não podem ignorar o horror do mundo e têm de acusar o golpe. Sim, mas mesmo em tempos terríveis, há que se buscar alguma transcendência, sem desistir da criação como esperança e vitalidade."